quarta-feira, 20 de março de 2013

Lá? Não, ali.


Sabe aquela estrela ali?
Aquela, sim, ainda brilha.
Parada,
sobrevivendo de glórias longínquas,
Meias conquistas,
(sempre) prestes a acontecer,
mas nunca prestes a se realizar.

Sabe aquela menina ali?
Sim, aquela no canto,
que sorri
e acena para os que estão passando.

Espera que seja apenas um sorriso,
um leve balançar de mãos,
o que se deseja dela.
Convencendo a si mesma
que o que basta aos outros
deve bastar também à ela.
Sabe aquele avô ali?
Aquele mesmo,
sentado no banquinho de madeira.
Vendo sem ser visto,
preocupado em conhecer os netos
que sequer chegariam a conhecê-lo...

Olha a menina,
agarrando sua juventude.
Nutrindo-se das sombras
em um futuro invisível.
Como o menino do passado,
correndo atrás de papagaios ao vento.

Sabe o Vento?
- Aquele?
Não, o outro,
que já passou.
Que veio forte
e assoviou alto.
Bagunçou os cabelos da menina
e depois partiu...
Levando desde a poeira
à memória do avô.

terça-feira, 5 de março de 2013

Tudo seria diferente. Mas não é.

Deixou-se cair no sofá e encarou as sombras na parede branca. Fingindo interesse arquitetônico, quando na verdade tentava apenas adiar o fim do que já havia terminado.
Observei-o atentamente. Em sua face, uma agonia contida. O desespero de quem sofre, sem saber o que fazer. Ou melhor, de quem sabe exatamente o que deve fazer.
Me lembrava as obras de arte... uma expressão em mármore esculpida profundamente na memória. Estava mais belo e sofrido do que qualquer outra ocasião em que o tenha visto.
Seus segredos me atraíam como a descoberta desperta a um arqueólogo. Nunca, entretanto, ousei tentar desvendá-los. Temerosa de que algo de mágico se desfizesse ou que, quem sabe, sequer existissem segredos, na verdade.
Prefiro ser racional. Tentar teorizar a (ir)realidade dos sentimentos e fingir que nada de importante se perdeu no caminho.
E, por um bom tempo, admito, funcionamos bem assim. A tristeza de se fingir feliz não é algo imediato. Seria hipocrisia fingir que não valeu à pena ou que, talvez, se tivesse a chance, não faria tudo de novo. Faria.
Éramos tão fortes juntos que pouco importava sermos bons ou ruins. Se isso é amor, desconheço. Tampouco sei dizer se “amor” é de carácter positivo ou negativo.
O apelo que tínhamos um ao outro era a simples capacidade de nos desafiarmos, provocando sempre a inércia e correndo quando outrora estivemos parados.
Ríamos sem quê nem porquê. De brincadeiras invisíveis que passavam de seus olhos para os meus.
Sorria e me dizia que nunca se cansaria de mim.
Mas a verdade é que eu me cansei o bastante por nós dois.

Escola

A sala cheirava a cigarros e àquele vinho barato que haviam comprado no caminho. O fim da tarde enchia tudo de rosa e dourado e a maresia entrava pela janela entreaberta. Fechou os olhos e sentiu o chão gelado em suas costas. Lá fora, eles brincavam debaixo da amendoeira. Era mesmo uma amendoeira? Bem poderia ser qualquer árvore. Mas gostava daquele nome. A-men-do-ei-ra. Lá fora, eles riam. Quando seria tarde o suficiente para que a casa ficasse em silêncio?
Aquele último raio oblíquo encontrou uma fresta para ficar sobre seu corpo e esquentar aquele pequeno pedaço. Lá dentro fazia tanto frio com as janela fechadas! Mas não queria sair. Nao queria sol, claridade ou companhia. Só queria um cigarro. Bem na verdade, queria escrever. Alguma daquelas bonitas alegorias. Ou mesmo dizer a verdade. Queria aprender a enfrentar o que doía. Mas não existe escola para isso.
Suspirou. Talvez devesse voltar para o colégio. Estava pronta para seguir adiante? Não queria acabar escolhendo o mais difícil. Ali tudo era tão fácil! Trocaria isso pela liberdade? Mas não podia ser livre. Não sabia assumir responsabilidades, resolver problemas. É, talvez devesse voltar para a escola. Se não aprendesse a se conhecer — diabos! — ao menos aprenderia alguma coisa.