sábado, 30 de julho de 2011

"Não possuía nada de excepcionalmente belo,

mas parecia um daqueles modelos masculinos de conversível, com jeans escuros, blusa vermelha, jaqueta preta e óculos Ray-ban. Andava gingando, como no ritmo de uma música, a qual só ele era capaz escutar. “Uma figura (e tanto)”, minha mãe diria se pudesse vê-lo. Não sei seu nome, admito, nunca soube. Em meus sonhos é qualquer coisa que comece com J, ou P, nada muito exato. De fato, conhecia-o apenas o suficiente para entender o motivo de sua presença. Afinal, sentíamos falta das mesmas coisas.

(...)

E ali estava eu, olhos nos óculos de marca com o que poderia ser a reposta para todas as minhas desilusões, face a face com o meu dilema, com o meu mistério, sem saber o que fazer ou para onde ir.

Ele passou por mim. Estranho, tudo tão rápido, tão devagar. Os dilemas continuavam ali, espreitando. Ele tinha ido, as dúvidas não. Continuava perdida, parada no mesmo lugar, sem saber o que fazer. Desejei que ele realmente tivesse um conversível, ou um carro qualquer, no qual pudéssemos fugir e procurar o que quer que estivesse faltando em nossas vidas. Desejei que fosse real, que não sumisse no ar. Senti ânsia de voltar, poder retroceder levemente no tempo, cruzar com ele de novo em meu caminho e, ousadamente, tirar-lhe àqueles malditos óculos que jamais permitiam-me ver seus olhos e enxergar o que tanto esperava que me dissessem. “Está tudo bem”... “Você não está sozinha”... Desejava que sussurrassem para mim... “Nos veremos novamente”... Mas, nada, o menino ou homem? Nunca soube ao certo. Ele já passava pela esquina, misturando-se a outras centenas de pessoas passando despercebidas umas as outras, atravessando as ruas, indo para suas casas, seguindo seus destinos. Nunca mais nos veríamos. Ele tinha ido, as dúvidas não."

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Sobre adorar correr na chuva

Sim, eu sei que é ‘cientificamente provado’ que correr na chuva molha n vezes mais do que andar na chuva. Não é essa a questão. Só quem já correu na chuva sabe. Aliás, mais especificamente, só quem sabe são aqueles indivíduos incrivelmente sortudos que, por escolha própria, em um dia de folga (isso mesmo: folga, sem trabalho, escolha, ou quaisquer tipos de compromissos agendados), optam por ‘esquecer’ em casa o guarda chuva, a prudência e os casacos com capuz. Pegar um resfriado pós-chuva torna tudo ainda mais gratificante, tal qual um lembrete, uma ferida no joelho depois de fazer aquela manobra com o skate (agora quebrado) do seu irmão.

Hmmm.... Uma delícia! Melhor que isso? Só se der de cara (não literalmente, claro) com um poste à lá “Singing in the rain”.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Eu queria...

Eu queria saber te amar, como quem ama devagar, como quem ama por carinho ao simples ato de amar. Queria saber as rimas, as vozes, as melodias para cantar para você as canções que serão para sempre as suas de ninar. Queria te saber, te provar, te ter. Queria te guardar. Se eu te aprender, você fica essa noite? Se eu te quiser como você me quer, você fica também amanhã de manhã?

sábado, 2 de julho de 2011

Pedro,

"Você lembra uma vez em que a gente era bem pequeno, acho que o Ezequiel nem tinha nascido ou tinha só alguns meses, em que choveu tanto que caiu a energia? Estava ventando muito lá fora, já era noite e nós deveríamos estar dormindo e, por isso, mamãe não veio com a lanterna ou algumas velas. Lembra o que a gente estava fazendo naquela noite? Cada um em sua cama, fingíamos que estávamos em barcos perdidos no oceano e que o lençol era a nossa única ligação. A chuva tamborilando na janela era um incentivo, mas quando o disjuntor estourou, o barulho que tudo fez lá fora e o fim das luzes foram motivos para você soltar um gritinho abafado, nada o suficiente para acordar a mamãe ou, pior, o papai. Eu disse que deveríamos dormir e você concordou, mas nenhum dos dois seguiu o conselho. Enfiei-me inteiro debaixo do cobertor. Os trovões que ressoavam lá fora e a luz de cada raio me faziam tremer. “Homem ao mar!”, você gritou de repente, “Socorro, vou me afogar!”. Rindo, joguei o lençol para você e te puxei até a minha cama. Só então conseguimos dormir, você agarrado em meu braço e eu sentindo você quentinho e calmo.
Não está chovendo agora, pelo contrário, o tempo está bastante seco e o barro vermelho se gruda em sua roupa e pele em qualquer lugar que se vá, mas queria voltar àquela noite, onde qualquer medo podia se resolver com você dormir em minha cama. Era raro que você viesse – você era um menininho corajoso – e por isso mesmo havia noites, principalmente quando chovia lá fora, que eu deseja que você sentisse medo, só para vir aplacar o meu. Quando penso em você, me sinto egoísta. Sempre te quis do jeito que fosse melhor para mim, mas você sempre foi melhor do que eu podia pedir, mesmo que não para mim."

" (...) Ele era apenas (mais) uma pequena parte

Não iria estragar a tentativa de um todo por uma coisa tão desgastada quanto sua própria vida. Não. “A causa era muito maior”, repetiu para si mesmo enquanto via os homens retornarem, sádicos. Remexeu-se na cadeira. Já perdera noção do tempo que estava ali, das coisas que lhe haviam sido feitas.

Quero morrer do meu próprio veneno

Quero perder de vez tua cabeça!

Minha cabeça perder teu juízo.

Me embriagar até que alguém me esqueça

Enterrara-se no ‘confortável’ de seu subconsciente, esperando que pudesse reencontrar seus pais, seu irmão e a praia da qual tanto sentia falta.

Essa palavra presa na garganta

Esse pileque homérico no mundo

De que adianta ter boa vontade?

Era covarde, sabia. Devia lutar, continuar vivo e lutar. Mas não conseguia. Tão novo, e já não tinha força. Faltava-lhe essa, dentre várias outras coisas.

Talvez o mundo não seja pequeno

(Cale-se!)

Nem seja a vida um fato consumado

(Cale-se!)

(Em itálico, trechos da música Cálice, de Chico Buarque e Gilberto Gil)