domingo, 24 de abril de 2011

até que descobri como dar fim

Gostava que fosse assim, na verdade. Eu o amava de corpo, coração, alma e o que há mais além. Era boba, era menina, era inocente. Mas nada disso é desculpa. Não posso dizer que foi porque cresci vendo as coisas dessa maneira, nem que aceitava por não saber existir outra realidade. Não digo que fiquei cega de amor. A verdade é que eu gostava, achava que merecia. Era do jeito dele.
A primeira vez foi meio acidente, mas depois foi se tornando hábito. Cada vez que ele chegava eu já sabia como ia acontecer, já esperava. Podia ser por qualquer coisa, um cheiro estranho no quarto, um gosto diferente em minha boca, uma nota a mais em meu sorriso. Ele vinha, besta, fera, faminto, homem. E eu me recolhia, fraca, submissa, perdida, mulher. Era meu papel. Fazia parte do nosso jogo. Ele batia e eu aceitava. Quando cansava, eu lhe fazia carícias e pedia desculpas. Ele chorava, eu chorava também. E nós nos amamos assim.
Foram anos assim, até que ele se foi, deixando-me sozinha. Disse que voltava, mas foram passando os dias, que viraram semanas, que viraram meses e eu aqui. As marcas de seus dedos foram sumindo de minha pele. Suava frio nas madrugadas procurando seu corpo entre os cobertores. Tentei eu mesma refazer seus rastros, mas não sabia de que me acusar. Não era como ele que conseguia achar minha culpa em tudo. Ah, não, eu só sabia aceitar, acreditar, obedecer. Então meu corpo voltou a ser intacto, intocado, inútil.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Noite passada

Sonhei que nada havia mudado. Exceto por seus cabelos, que haviam crescido, o tempo lhe fora generoso, não tinha rugas. Voltava de uma viagem de férias prolongadas e parecia cansado. Entrei no quarto. Encontrei-o dormindo, mas logo acordou – como se pudesse sentir que estava ali–, sem sequer dar-me tempo para acostumar-me com o novo contexto que apresentava-se diante de mim. Um contexto inusitado, no qual meu avô estava vivo. Não só estava vivo, como ali, sentando-se na cama, disposto a me dar o abraço que por tanto ansiei, disposto a afagar meus cabelos e dizer que estava tudo bem, que as férias haviam sido ótimas e que vivera mil e uma aventuras, as quais seriam relatadas com minúcias em uma próxima ocasião. Disse-me ainda ter sentido minha falta e ter voltado para ficar, mas a contragosto, não permite-me ludibriar por suas falas tão carinhosas. Já fora embora uma vez. Aquilo era apenas um sonho, ele iria embora novamente, não haveria uma “próxima ocasião”. Abracei-o mais forte. Se era tão real, então por que não era realidade? Queria crer, mas não conseguia. Queria poder, de alguma maneira, tornar verdadeiro aquele quarto, aquela cena tão maliciosamente elaborada pelo meu subconsciente. O tempo, entretanto, passou em um borrão e o que outrora fora meu avô abraçando-me, mostrou-se ser apenas mais um quarto vazio.

terça-feira, 19 de abril de 2011

"your skin and bones"

Como os olhos são bonitos! Talvez por serem comuns. Talvez por terem aquele olhar, desses que te atravessam, vêem seus ossos. Desses que dão medo de suportar. Talvez por isso sejam tão bonitos.

O que mais existe por trás dos olhos? Alma? E é alma isso que a gente têm, isso que nos move? Acho que sinto dor na alma quando olho pra você. Ou talvez seja só falha num órgão velho e inútil. Quem sabe dói-me o coração.

Tem que haver algo depois desse jeito que tem de mirar. Deve doer também.

Então o que existe mais é dor. Amor é dor também, é doença, contagia. Mas tem quem seja imune. E quem seja vulnerável, que pegue muitas, muitas vezes. Amar é esquisito, te quebra um pouco, te deixa velho. E jovem, um pouco. É tanto sangue correndo! É engraçado que sangue te mantém vivo, mas te envelhece, te mata devagar.

Que tortura!

Olhos vêm para dar espaço à dor, que é também o amor, que, com e como o sangue, te assassina e te remoça. Há tanto que não entendo! Você, por exemplo. Seus lábios

domingo, 17 de abril de 2011

Mas sou eu.


Sou eu quem não quer deixar ir, sou eu quem tem medo, sou eu quem sente saudades, sou eu quem quer lembrar.

Uma lágrima desce. Seus olhos quase vítreos me encaram em um silencioso “Quem é você?”, ao mesmo tempo em que seus sussurros sufocados gritam por um socorro ininteligível. Age como se me visse - embora não reconhecesse -, cega por uma dor que, de fato, não é dela. Iludida por uma falsa verdade, por uma mentira que sequer lhe pertence. A dor é minha. A angústia é de quem se senta ao lado e assiste de camarote. A saudade, de quem lembra do outrora que não volta mais. Afasto-me. Erro, sei que erro. Choro, mas não adianta. Ninguém à minha volta sabe o que fazer, mas não ser a única não traz conforto. Nada traz conforto. Afinal, quem se apraz com a desorientação? Eu não. Me sinto mal, perdida, como se fosse levada por um desconhecido. Um desconhecido que, em verdade, é o “eu” que só ela vê.

sábado, 9 de abril de 2011

Quando fecho os olhos, o mundo some

Quando vinha tomar café, quem o atendia era sempre ela. Não teria reparado se não fosse ao mesmo lugar todos os dias. O que havia para reparar? Era sempre a mesma decoração, a mesma toalha, as mesmas xícaras iguais, a mesma televisão passando o mesmo programa. Não podia esperar que não fosse a mesma garçonete.
Não havia no que reparar.
Era sempre o mesmo jeans, o mesmo all star vermelho, o mesmo cabelo loiro preso no sempre igual rabo de cavalo. Os dentes meio tortos, o aparelho metálico, os lábios finos, sem graça - como tudo ali.
Levantou os olhos do celular e a viu. O que ela vivia? Ela vivia café e sanduíches gordurosos? Ela vivia a escola? Não, era muito velha para isso. A faculdade, talvez? Mas porque ela. Tomou um gole de café.
Ela sempre sorri assim quando oferece outra xícara? Não sabe ela que a resposta é "não"? Porque está atrasado, como sempre. Para alí só para não chegar na hora. Para não ter que reparar no trabalho. Porque não repara em nada.
Mas porque naquele dia se são todos iguais? Talvez porque acordara cinco minutos antes do despertador e não depois. Talvez porque tinha uma estrela ainda no céu. Talvez porque tenha feita um pedido. Ou simplesmente porque tenha fechado os olhos naquele momento. Quando fecha os olhos, o mundo desaparece.
E quando volta, é outro.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Re - gres - são

“Volta, retrocesso. O mesmo que regresso; recuo; diminuição (...)”

Morro de medo de regredir – até por pensar, em parte, no próprio medo de regredir como uma regressão.

Antes fosse retroceder (ao invés de regredir). Retroceder tem todo um tom elegante, e definitivamente mais delicado, do que regredir. Só o mais sábio dos sábios tem a coragem de submeter-se ao retrocesso. Coragem? Sim, isso mesmo. Ao contrário da covardia demandada de quem regride, o ato de retroceder exige coragem.

Infelizmente, entretanto, não é esse o meu caso. O que me assola é tão meramente um medo. Um não. Vários, aliás. Tenho medo de tudo, e tão grandes de travar a língua e fazer tremer os dedos. Tenho medo de ser covarde, de fazer mal a alguém, de ferir. Tenho medo de voltar a ser criança e tenho medo de ser adulta. Medo de falar em público, de olhar nos olhos de alguém e revelar mais do que gostaria. Mas – principalmente – tenho, desde sempre, um medo aterrador de encontrar uma barata no meu quarto.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Meu jeito de ver o mundo




O jeito de ver o mundo de uma pessoa que só sabe desenhar figuras geométricas tridimensionais.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

"nem o prego aguenta mais o peso desse relógio"

Sonhei que te perdia
- e perdia mais a mim -
em um caminho onde se corria
sem nunca chegar ao fim

Onde ficou, no meu
caminho, seu sonho,
sua ilusão?

Onde encontro, no seu
destino, meu corpo,
meu coração?

Se dependo do teu ar,
de teu sangue, Paixão,
como vivo a te perder?
Como pode ir sem mim?
Como faz para vivermos assim?
Sozinho, sim.
Cansado assim.

domingo, 3 de abril de 2011

(Às vezes) Sinto falta


Não necessariamente uma irmã ou um irmão, não necessariamente um pai ou uma mãe, não necessariamente um amigo ou amiga, não necessariamente um namorado ou uma namorada. Sinto falta de alguém que, por mim, “dê a cara à tapa” quando nem eu mesma der. Sinto falta de entendimento, que alguém me entenda quando nem eu mesma o faço. Sinto falta de percepção, alguém que perceba quando eu estou mal, mesmo que eu faça de tudo para parecer bem. Sinto falta de alguém que me dê umas ‘sacudidelas’ e me obrigue a ficar bem. Aliás, mais do que tudo, sinto falta de estar bem, bem mesmo, e não aquele “bem” que você responde automaticamente quando uma pessoa lhe pergunta como você está.
(Às vezes) Sinto falta de mim mesma.